Apesar de um projeto de lei que tornaria obrigatória a prestação de assistência odontológica a pacientes internados em hospitais ou em regime domiciliar ter sido vetado recentemente, o que ainda pode ser revertido pelo congresso nacional, existem algumas legislações que já regulamentam a presença dos cirurgiões-dentistas dentro dos hospitais, como a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC 7/2010) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além de melhorar as condições dos doentes, a medida amplia o campo de trabalho para a Odontologia Hospitalar.
O Projeto de Lei Complementar 34/2013 havia sido aprovado no Senado recentemente, depois de tramitar durante muito tempo e até ser arquivado no fim do ano passado, quando o Conselho Federal de Odontologia (CFO) e os Conselhos Regionais realizaram uma verdadeira força tarefa pelo seu desarquivamento. Porém, o projeto acabou sendo vetado pelo presidente Jair Bolsonaro. Mas a coordenadora do curso de Odontologia Hospitalar da ABO Goiás e presidente da Comissão de Odontologia Hospitalar do Conselho Regional de Odontologia em Goiás (CRO-GO) e da Sociedade de Terapia Intensiva do Estado (Sotiego), Camila de Freitas, informa que já existem legislações que regulamentam o assunto.
Além da resolução da Anvisa, ela lembra que várias leis estaduais e municipais já obrigam os hospitais a terem dentistas. “Na Câmara de Goiânia, também já tramita um projeto de lei pra termos nossa própria legislação municipal sobre o assunto”, informa Camila. Mas o problema do veto à lei federal é que os planos de saúde podem usar isso como argumento para recusarem a cobertura dos tratamentos, que possibilitam que pacientes tenham menos infecções, dores e tempo de internação.
Ela lembra que a maior fonte de aspiração de bactérias que chegam ao pulmão é a boca e pacientes que ficam muito tempo internados desenvolvem uma condição bucal ruim, sendo mais propensos a infecções. “Eles ficam imunodeprimidos em função do constante uso de medicamentos e do tempo de internação, podendo desenvolver doenças sérias, como uma pneumonia bacteriana ou fúngica e até a endocardite, uma infecção do coração, que pode ser originada de uma infecção na boca”, adverte. Depois de 48 horas de internação, já existe o risco de evolução para pneumonia. Mas o quadro também pode evoluir para outras complicações, que resultem num acidente vascular cerebral (AVC), abcessos cerebrais e sepse de foco bucal, que podem levar o paciente a óbito.
No caso dos pacientes internados em UTIs, há um comprometimento maior da imunidade e bactérias que entram pela boca são um grande risco. Camila lembra que estes pacientes acabam ficando muito tempo com a boca aberta, com uma higiene bucal deficiente e com suas defesas comprometidas. Nos pacientes inconscientes, até mesmo a saliva pode descer para o pulmão e causar infecções. Pacientes em coma também são mais propensos a morder a língua e os lábios e também têm alterações da salivação, que podem levar ao ressecamento, o que pode ser evitado.
Mas os pacientes não são os únicos beneficiados. Camila de Freitas ressalta que, para hospitais e planos de saúde, a garantia de um tratamento mais completo para os doentes, que ajude a evitar diversas complicações, resultará num giro maior dos leitos porque os pacientes ficarão menos tempo internados e usando antibióticos, o que reduz os custos para todo o sistema.
Para cirurgiões-dentistas, a Odontologia Hospitalar é mais um campo promissor de atuação. “É uma área onde o profissional enriquece muito seu consultório porque passa a estudar sobre o paciente de forma mais integrada”, destaca. O conhecimento aprofundadado sobre doenças e medicações e a proximidade de outros profissionais de saúde tornam possível assistir o paciente de forma mais completa.
Muitos pacientes diabéticos também ficam peregrinando em busca de atendimento, pois é comum os profissionais terem insegurança em atendê-los. Segundo a cirurgiã-dentista, um odontólogo hospitalar consegue assistir melhor um diabético, cardiopata, uma pessoa com sequelas de AVC ou um paciente que faz hemodiálise. Camila acredita que a procura pelo curso de Odontologia Hospitalar e Pacientes Sistematicamente Comprometidos, da ABO Goiás, tende a aumentar. O curso de pós-graduação tem duração de 18 meses e o aluno sai habilitado em Odontologia Hospitalar e Laserterapia.
A próxima edição do CIOGO contará mais uma vez com uma UTI Cênica. Desta vez, o espaço será ampliado por conta da grande procura registrada na última edição do CIOGO, realizada em 2017, quando a organização foi surpreendida, a sala ficou lotada e muita gente conseguiu assistir as palestras, pois a programação era gratuita, com ocupação por ordem de chegada, sujeita a lotação.
A UTI Cênica oferecerá vários cursos da área médica voltados para profissionais da Odontologia e que pode ser estendido à Fisioterapia, Fonoaudiologia e Enfermagem. Camila de Freitas explica que serão aulas teóricas e práticas, mais uma vez através de uma parceria entre a ABO Goiás e a Sociedade de Terapia Intensiva de Goiás (Sotiego). Na visão do presidente da Sotiego, o médico Durval Pedroso, a importância da UTI Cênica para estudantes e profissionais da saúde é justamente o fato dela integrar a medicina e a terapia intensiva à Odontologia Hospitalar. “Hoje, esta é uma área de atuação regulamentada pelo CFO, de extrema importância e muito validada do ponto de vista da qualidade assistencial do paciente dentro da unidade hospitalar”, destaca.
No que diz respeito ao paciente crítico ou gravemente enfermo, a relevância é ainda maior. Segundo Durval Pedroso, existem vários trabalhos que mostram que o odontólogo dentro da UTI miniminiza diagnósticos tardios de sepse de foco bucal e atua diretamente na prevenção da pneumonia associada à ventilação mecânica. “São aspectos muito positivos, haja visto que o País tem uma saúde bucal extremamente pobre e fraca”, ressalta o presidente da Sotiego.
A programação da UTI Cênica, no CIOGO 2019, busca a integração multidisciplinar e a consolidação do entendimento de que a Odontologia também faz parte da terapia intensiva, incluindo temas que destacam a importância do odontólogo em UTI e minicursos de atenção à Odontologia Hospitalar. Para Durval Pedroso, a ABO Goiás e a Sotiego saem ganhando muito com essa integração. “É a terapia intensiva fortalecendo a Odontologia Hospitalar, e vice-versa”, destaca Durval.